De acordo com o desenho do projeto-piloto a apresentar pelo Governo na reunião desta quarta-feira da Comissão Permanente de Concertação Social, só numa “segunda fase”, e “mediante evolução satisfatória do piloto”, a experiência da semana de quatro dias “deverá ser estendida ao setor público”.
Isto porque, segundo o executivo, “uma experiência-piloto dirigida a este setor requer adaptação de instrumentos de avaliação dos impactos e estará sujeita a diferentes condicionantes jurídicas e orçamentais”.
“Progressivamente, e num terceiro momento, existe intenção de criar as condições favoráveis para testar um modelo mais ambicioso que envolva um desenho quase-experimental, em que um grupo empresas adotam a mudança e outro grupo servirá de controlo”, lê-se no documento do Governo
Inicialmente limitada, então, a empresas voluntárias do setor privado, a experiência-piloto da semana de quatro dias terá a duração de seis meses e será “voluntária e reversível”.
Uma vez que o Estado não oferece nenhuma contrapartida financeira, não será estipulado um número de horas semanais exatas – “podem ser 32 horas, 34, horas, 36 horas, definidas por acordo entre a gestão e os trabalhadores”.
Mas a experiência tem de “envolver a grande maioria dos trabalhadores” da companhia, “exceto para grandes empresas, onde pode ser testado em apenas alguns estabelecimentos ou departamentos”.
O cronograma do projeto-piloto prevê que nos próximos meses, até janeiro de 2023, decorram os períodos de manifestação de interesse por parte das empresas e sessões de esclarecimento para lhes “explicar como vai decorrer o estudo”, estando a seleção dos participantes prevista para fevereiro do próximo ano.
Durante o mês de dezembro de 2023 decorrerá “um período de reflexão”, durante o qual “a gestão vai refletir sobre a experiência e determinar se vão manter a nova organização, voltar à semana de cinco dias, ou adotar um modelo híbrido”.
O Governo estabelece ainda que, se a adesão ao projeto-piloto for menor do que 40 empresas, esta se realizará com todas. Já se a adesão for maior, as empresas poderão ser divididas em dois grupos – um de tratamento e outro de controlo – o que permitirá “uma avaliação mais robusta dos efeitos da semana de quatro dias”.
Embora admitindo que o facto de esta experiência partir de uma autosseleção das empresas “pode enviesar os resultados”, o executivo acredita que os resultados do projeto-piloto serão significativos.
De acordo com o Governo, a avaliação do projeto-piloto “vai centrar-se nos efeitos da semana de quatro dias nos trabalhadores e nas empresas”.
Do lado dos trabalhadores, serão medidos “os efeitos no bem-estar, qualidade de vida, saúde mental e saúde física, bem como o seu nível de compromisso com a empresa, satisfação com o trabalho e intenção de permanecer na organização”, sendo igualmente estudado “o uso de tempo dos trabalhadores nos dias de descanso, para perceber onde e como é usado o tempo não-trabalhado”.
Já do lado das empresas, “o foco genérico vai ser na produtividade, competitividade, custos intermédios e lucros”, avaliando-se “os efeitos nas taxas de absentismo de curta e longa duração, na capacidade de recrutamento, na organização de processos internos, em indicadores de desempenho (por exemplo, queixas de clientes/utentes), na incidência de acidentes de trabalho e no consumo de bens intermédios, quer matérias-primas, quer gastos de energia”.
A avaliação vai ser feita através de inquéritos, que “serão desenhados para serem comparáveis com as outras experiências internacionais, mas adaptados à realidade portuguesa”, sendo o objetivo “promover o cruzamento dos dados gerados nestes inquéritos com as bases de dados oficiais”.
A experiência-piloto da semana de quatro dias será coordenada por Pedro Gomes, autor do livro “Sexta-feira é o Novo Sábado”, contando ainda com Rita Fontinha, professora associada de ‘Strategic Human Resource Management’ na Henley Business School da Universidade de Reading, na equipa externa ao executivo.
A semana de trabalho de quatro dias continua a ganhar força, com projetos-piloto no Reino Unido, Irlanda, EUA, Canadá e Austrália. Mas será que resulta?
Embora muitas empresas possam achar que é um melhor arranjo do que uma semana de trabalho de cinco dias, Wim Naudé, professor de Economia da University College Cork. apresenta cinco argumentos contra.
Segundo Naudé, é improvável que a semana de 4 dias aumente a produtividade, a menos que já esteja baixa. Países como a Irlanda e o Reino Unido já apresentam uma produtividade de trabalhador muito alta, medida em PIB por hora trabalhada.
A ideia de que a semana de 4 dias aumenta a felicidade é uma miragem, diz o economista. As pessoas podem sentir-se mais felizes durante, por exemplo, um período de seis meses. Mas com uma duração mais longa, provavelmente reverteriam ao seu nível anterior de felicidade.
A semana de de quatro dias pode também agravar as desigualdades no trabalho. A Irlanda e o Reino Unido, por exemplo, já sofrem com mercados de trabalho “esvaziados” e polarizados, o que significa que a proporção de empregos de nível médio para empregos de nível inferior tem vindo a cair ao longo das décadas.
Além disso, sustenta Naudé, há uma forte associação entre a redução do horário de trabalho e o aumento do emprego a tempo parcial. Isto ocorre porque as empresas cujos trabalhadores em tempo integral reduzem as suas horas precisam de contratar funcionários a part-time para garantir que a produção não diminua, especialmente no setor de serviços.
O economista questiona também o suposto benefício de encurtar a semana de trabalho é a redução do desemprego. Quando os mercados de trabalho estão tão apertados, seria estranho reduzir a oferta de trabalho cortando as horas de trabalho de todos.
ZAP // Lusa
01/11/2022